Uma resenha crítica quinhentista do livro de cartas médicas de Garcia Lopes

O médico Garcia Lopes, um cristão novo natural de Portalegre, fez publicar um volume miscelânico, em forma epistolar, sobre diversos temas médicos durante a sua curta estada no empório do Escalda (Antuérpia, 1564). O autor e o livro regressaram a Portugal: do autor, sabe‑se que findou os seus dias, de forma trágica, num auto da fé celebrado em Évora, em 1572; já do único livro que este publicou, em língua latina, não havia, até ao presente, conhecimento de qual teria sido a sua receção nos meios académicos e científicos do reino. Contudo, Jorge Godines, um médico cortesão dos reinados de D. João III e de D. Sebastião, organizou um códice magnífico de epistolae medicinales, no qual incluiu uma autêntica recensão crítica ao livro de Garcia Lopes, sob o sugestivo título Summa quaedam eorum quae aduertimus in libello Garciae Lopii, ou seja, “Súmula do que criticamos no livrinho de Garcia Lopes”. Ora, o presente estudo centra-se, em particular, na análise deste texto singular, no quadro da relação óbvia que este estabelece com a obra escrutinada, trazendo à luz um aceso debate científico entre dois médicos portugueses contemporâneos, esmiuçando e avaliando as diferentes críticas e reparos feitos por Jorge Godines aos capítulos do livro de Garcia Lopes, bem reveladores da riqueza, da acuidade e da atualidade do debate médico no Portugal de Quinhentos.