A MEMÓRIA ENTRE O REAL DA LÍNGUA E O REAL DA HISTÓRIA: UMA ANÁLISE DO FUNCIONAMENTO DISCURSIVO-ESTÉTICO NO CONTO 2035, DE VERÔNICA STIGGER

Propomo-nos pensar a literatura contemporânea a partir de sua relação com o equívoco e o absurdo, defendendo que o discurso literário tem a potência de flagrar o engodo das evidências próprias aos mundos semanticamente normais por sua relação singular com os sentidos, a ideologia e o sujeito. Analisaremos o conto 2035, de Verônica Stigger, publicado no Brasil em 2016. O texto caracteriza-se por ser uma distopia, a qual, por uma torção discursivo-literária nas redes de memória, apresenta-se como uma crítica à formação social capitalista. Filiada à Análise do Discurso fundada por Michel Pêcheux, tomamos o estranhamento em relação à realidade e à memória como elementos que, na literatura de Stigger, fazem deslocar os sentidos tomados como absolutos, promovendo um desarranjo-rearranjo nas redes de formulações que tende à transformação. Para tanto, mobilizamos as formas de incidência do interdiscurso na cadeia significante, o pré-construído e o discurso transverso, assim como seus funcionamentos, respectivamente, metafórico e metonímico, os quais, na ficção, são de tal forma intrincados, de modo a promover a torção discursivo-literária, a qual trabalha, no sentido propriamente materialista, sobre a língua e o impossível que lhe é próprio, a história e sua contradição, bem como o sujeito e sua condição desejante.